A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (3) projeto de lei que facilita a regularização fundiária de terras ocupadas no Brasil, incluindo áreas da Amazônia que foram ilegalmente desmatadas.

O texto-base do projeto, chamado por ambientalistas de PL da Grilagem, foi aprovado por 296 votos a 136. Os deputados rejeitaram sugestões de modificação à proposta, que segue para o Senado.

A proposição trata da regularização fundiária das ocupações em terras da União ou do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Os pontos de maior preocupação de ambientalistas sobre o texto são a mudança do marco temporal das ocupações passíveis de regularização e a possibilidade de regulamentação sem vistoria.

O texto estabelece o marco temporal da ocupação em 22 de julho de 2008 para que a terra possa ser regularizada. O relator, deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM), defende em seu parecer que não “há qualquer estímulo à grilagem”.

O projeto dispensa o Incra de fazer vistoria prévia de imóveis de até seis módulos fiscais, unidade de medida cujo valor é fixado pelo Incra e que varia de 5 a 110 hectares.

Isso ocorrerá após análise de documentos enviados pelos ocupantes das terras, como o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e declarações de que os proprietários não tenham outro imóvel rural no país e não tenham sido beneficiários de programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural.

Também não podem ter cargo ou exercer emprego público no Ministério da Economia, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Incra, na Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e nos órgãos de terra estaduais ou do Distrito Federal.

Técnicos do PSOL dizem que o texto pode levar a uma pressão para mudar o conceito de pequena propriedade rural de quatro módulos fiscais para seis módulos fiscais em outras leis e no Código Florestal. “Se esse conceito for alterado, vai representar aumento da anistia ao desmatamento e prevê mais anistia para pequenas propriedades rurais”, indicam, em nota.

A vistoria prévia, segundo o texto, é mantida em imóveis com termo de embargo ou de infração ambiental, com indícios de fraude no fracionamento da unidade econômica de exploração e com requerimento realizado por meio de procuração.

O texto estabelece que pedidos de regularização de imóveis com até um módulo fiscal terão análise prioritária na tramitação administrativa, e a comprovação de prática de cultura efetiva e ocupação e exploração direta será feita por sensoriamento remoto.

O texto determina que órgãos e as entidades consultados se manifestarão sobre eventual interesse na área a ser regularizada no prazo de 60 dias. Caso isso não aconteça, será presumido que não há oposição quanto à regularização.

O projeto permite que a terra seja utilizada como garantia para empréstimos relacionados à atividade a que se destina o imóvel. Em nota, técnicos do PSOL indicam que isso significa que será possível usar terras da União como garantia de empréstimos. Se o adquirente ficar inadimplente com o banco, o banco tomará a terra da União.

Além disso, amplia em cinco anos o prazo para renegociação de contratos de regularização fundiária no caso de descumprimento de acordo firmado com órgãos fundiários federais até 10 de dezembro de 2019.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) criticou a aprovação do texto. “Um absurdo. Abre a Amazônia para um intenso processo de ocupação. As taxas de desmatamento aumentarão significativamente”, afirmou.

“Metade do desmatamento da Amazônia é desmatamento para fazer regularização fundiária. As pessoas desmatam e depois procuram o Incra para fazer a regularização fundiária. Então, esse discurso de que as pessoas passarão a ser responsabilizadas é uma mentira, porque as pessoas só vão regularizar as áreas que elas já desmataram”, afirmou.

Líder do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ) afirmou que a Câmara não precisava acelerar as regularizações. “Precisamos, sim, é de investimento no Incra, em órgãos públicos que estão aí para fazer esse serviço. O que está em jogo aqui é a destruição das florestas, da natureza e dos povos indígenas.”

Única representante indígena no Congresso, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) disse que o projeto pode enfraquecer as salvaguardas necessárias à política de regularização fundiária.

“Nós estamos numa situação em que o Brasil precisa melhorar a imagem, ter uma imagem de salvaguarda, não uma insegurança jurídica”, disse. “Existe uma legislação já que fala da regularização fundiária, deve prover pelo avanço e não pelo retrocesso. Ela pode, sim, fragilizar a proteção ambiental.”

Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace, afirma que ao aprovar “o PL da grilagem, o recado que os deputados passam aos brasileiros é que vale a pena invadir e desmatar terra pública”.

“Não há ninguém mais feliz que grileiro nesse momento, tendo governo e Congresso a serviço deles. O desmatamento e a violência por terras ganham um grande impulso hoje.”

Já Juliana de Paula, do Instituto Socioambiental, afirma que o projeto “beneficiará grandes latifúndios e desmatadores ao permitir a entrega de títulos sem a aferição da regularidade ambiental da área”.

“É importante lembrar que temos uma extensão de terras equivalente ao estado do Rio Grande do Norte sem destinação no Brasil. É um enorme patrimônio público, que não pode ter o grileiro e o crime organizado como destinatários privilegiados.”

Em nota, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) criticou a votação e disse que o texto é um grande retrocesso, “pois não tem o objetivo de beneficiar a agricultura familiar, como vem propagando a base aliada do governo federal”.

“Na verdade, alertamos que pode trazer graves prejuízos a esse público, tais como o aumento dos conflitos agrários, sobreposição de área dos agricultores e agricultoras e a possível regularização da grilagem e do desmatamento nas terras da União.”

A Confederação diz que continuará tentando mudar o texto no Senado.

By admin

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *