O tradicional jumento brasileiro (Equus asinus), animal historicamente associado ao sertão e à agricultura familiar, está enfrentando uma ameaça grave. A crescente demanda da China pela gelatina medicinal ejiao, feita a partir da pele dos jumentos, está colocando a espécie em risco de extinção no Brasil.
A preocupação foi reforçada durante o 3º Workshop Jumentos do Brasil, realizado em Maceió, que reuniu especialistas para discutir estratégias de preservação da espécie. O evento, que termina neste sábado (28), destacou que, se o ritmo atual de abate continuar, os jumentos podem desaparecer do território brasileiro em poucos anos.
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População em queda acelerada
De acordo com a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, o Brasil perdeu 94% de seu rebanho de asininos entre 1996 e 2025. A redução drástica está diretamente relacionada ao aumento da exportação para atender à indústria chinesa de ejiao.
O problema não é novo. Em 2021, um estudo da Revista Brasileira de Pesquisa Veterinária e Ciência Animal, da USP, já alertava que o país não possui fazendas voltadas à reprodução da espécie e que o ritmo de abate superava a capacidade de renovação da população.
A situação foi confirmada por um relatório de 2024 da The Donkey Sanctuary, organização internacional dedicada à proteção de jumentos, que revelou um crescimento de 160% na demanda por pele de jumentos entre 2016 e 2021. Segundo o levantamento, 5,6 milhões de jumentos foram abatidos em 2021 para atender à produção de ejiao. A estimativa é de que, em 2027, esse número suba para 6,8 milhões de animais por ano.
“A situação do Brasil e do mundo em relação ao jumento é assustadora”, afirmou o professor Adroaldo Zanella, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da USP. “É uma questão que provoca preocupações no mundo inteiro.”
Maus-tratos e risco sanitário
Além do risco de extinção, estudos recentes apontam que os jumentos destinados ao abate sofrem grave violação de bem-estar animal. Pesquisa publicada em março de 2025 no periódico Animals, assinada por pesquisadores brasileiros, mostrou que os jumentos capturados para atender à demanda chinesa frequentemente apresentam sinais de abandono, desnutrição e maus-tratos.
Não há no Brasil uma cadeia de produção organizada para criação e abate desses animais. O manejo é majoritariamente precário e, muitas vezes, sem regulamentação sanitária.
A The Donkey Sanctuary alerta ainda que o transporte irregular dos jumentos pode facilitar a disseminação de zoonoses, ou seja, doenças transmissíveis entre animais e seres humanos. “Sempre que animais são transportados dentro ou através de fronteiras nacionais, existe o risco de que eles carreguem e espalhem doenças”, aponta o relatório da organização.
Impacto social e cultural
Além das questões ambientais e sanitárias, especialistas ressaltam que a extinção da espécie teria efeitos negativos para comunidades rurais. Os jumentos continuam sendo essenciais no dia a dia de agricultores familiares, especialmente em pequenas lavouras e áreas de difícil acesso.
“Eles atuam em plantações de cacau e outras pequenas propriedades, além de serem excelentes companheiros por seu temperamento dócil e inteligência”, explica a médica-veterinária Patrícia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil.
Tatemoto destaca ainda que a gestação dos jumentos dura cerca de 12 meses e que o tempo de maturação para o abate é de aproximadamente três anos, o que torna a criação desses animais pouco atrativa para uma produção sustentável e comercial.
Alternativas ao colágeno animal
Uma das soluções apontadas por especialistas é o investimento em tecnologias de produção de colágeno em laboratório, sem a necessidade de exploração animal. O engenheiro agrônomo e doutor em Economia Aplicada da USP, Roberto Arruda, defende a adoção da fermentação de precisão.
“Estudos já apontam alternativas tecnológicas promissoras, como a fermentação de precisão, capaz de produzir colágeno em laboratório sem a necessidade de exploração animal. Investir nessas inovações é essencial para proteger a espécie e promover práticas mais sustentáveis, inclusive sob a perspectiva socioeconômica”, afirmou Arruda.
Atualmente, o desenvolvimento dessas tecnologias está concentrado em grandes empresas internacionais, mas especialistas defendem que o Brasil deveria priorizar políticas públicas para acelerar o uso dessas alternativas.
Legislação e campanhas
Alguns países africanos, como Quênia, Nigéria e Tanzânia, já aprovaram medidas restritivas ao abate de jumentos, reconhecendo o impacto ambiental e social do comércio.
No Brasil, dois projetos de lei estão em tramitação para proibir o abate de jumentos para o comércio de carne e pele: um na Câmara dos Deputados e outro na Assembleia Legislativa da Bahia.
Movimentos sociais também se mobilizam para defender a espécie. Uma campanha online pede o fim do abate de jumentos no Brasil, com mais informações disponíveis no site fimdoabate.com.br.
A luta para proteger os jumentos brasileiros é urgente. Especialistas e organizações reforçam que sem ações imediatas, o jumento pode desaparecer do cenário nacional, levando consigo uma parte importante da história, da cultura e da subsistência de muitas famílias no campo.