O Brasil estuda a possibilidade de adotar usinas nucleares flutuantes para fornecer energia à região amazônica. A proposta, apresentada pela estatal russa Rosatom, foi recebida com interesse pelo governo brasileiro e se insere no contexto da crescente aproximação entre os dois países no setor nuclear.
A oferta inclui pequenos reatores nucleares conhecidos como SMR (Small Modular Reactor, ou Reator Modular Pequeno), capazes de gerar entre 10% e 50% da capacidade das usinas nucleares tradicionais. Esses reatores, por ocuparem espaços reduzidos, seriam instalados em plataformas flutuantes — uma tecnologia que a Rússia já utiliza no Ártico com a usina Acadêmico Lomonosov, atualmente a única usina nuclear flutuante em operação no mundo.
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Embora a ideia seja cercada de críticas ambientais — a usina russa chegou a ser apelidada de “Tchernóbil flutuante” por ativistas —, os russos destacam que, até o momento, o modelo tem operado de forma segura e substituiu instalações antigas e poluentes.
Governo brasileiro considera viável
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, confirmou à FOLHAPRESS que o Brasil avalia seriamente a proposta. “Os pequenos reatores, inclusive os modelos flutuantes, podem oferecer soluções seguras e estáveis para regiões de difícil acesso, como a Amazônia. Temos mantido um diálogo técnico produtivo com a Rosatom“, declarou.
A Amazônia, apesar de sediar grandes hidrelétricas, enfrenta graves dificuldades no fornecimento de energia para comunidades isoladas, que dependem fortemente de termelétricas a diesel e de energia importada da Venezuela, especialmente no estado de Roraima. O modelo de usina flutuante surge como uma alternativa para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e ampliar a estabilidade energética local.
Expansão russa e desafios técnicos
A Rosatom prevê a instalação de até 12 reatores na Amazônia até 2035, com geração total de 0,6 GW. Além disso, projeta a instalação de outros 10 reatores flutuantes ao longo da costa nordestina, região que também enfrenta déficits energéticos. Somadas, essas usinas poderiam representar metade da capacidade instalada da matriz nuclear brasileira atual.
Entretanto, o projeto enfrenta desafios técnicos e regulatórios. Segundo o diretor da Rosatom para a América Latina, Ivan Dibov, será necessário negociar condições com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), responsável por supervisionar a segurança nuclear mundial. A própria usina flutuante russa levou dez anos para entrar em operação, exigindo licenciamento especial do órgão.
Além disso, os custos de implantação seguem indefinidos. O projeto russo inicial, orçado em US$ 340 milhões em 2010, ultrapassou US$ 870 milhões (valores corrigidos) até sua conclusão. Dibov argumenta que as novas usinas podem ser construídas em dois a três anos, com o valor final dependendo do número de reatores contratados.
Parceria nuclear avançada
A aproximação entre Brasil e Rússia no setor nuclear não é recente. Desde 2015, a Rosatom atua no país com contratos menores e fornecimento de insumos para medicina nuclear. Em 2023, a estatal russa venceu duas licitações para fornecer urânio enriquecido para Angra 1 e 2 por cinco anos — contratos estimados em US$ 140 milhões.
Embora o Brasil detenha a tecnologia para enriquecer urânio e possua a sétima maior reserva mundial, o país ainda exporta o produto intermediário (yellowcake) para enriquecimento no exterior, principalmente com empresas russas. O urânio russo, segundo o mercado, custa cerca da metade do valor cobrado por outros fornecedores.
A parceria também inclui um contrato assinado em março de US$ 40 milhões para fornecimento de urânio processado. Até 2027, os russos transportarão 275 mil quilos de urânio extraído da Bahia e devolverão o material pronto para ser usado como combustível nuclear.
Geopolítica e expansão russa
O movimento brasileiro também tem implicações geopolíticas. Antes da Rosatom, o Brasil dependia do Canadá, membro da Otan, para o fornecimento de urânio. A mudança de fornecedor reforça os laços do Brasil com a Rússia e com o grupo dos Brics, alinhamento diplomático valorizado tanto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro quanto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A Rosatom nega qualquer envolvimento com o programa do submarino nuclear brasileiro, um projeto independente conduzido pelo governo brasileiro. Para a estatal russa, o foco está na expansão de pequenas e médias usinas comerciais no país.
Sobre o futuro de Angra 3, o diretor da Rosatom afirmou que a empresa está aberta ao diálogo, mas o interesse principal está em levar ao Brasil seus projetos próprios. “Temos o melhor produto e o melhor preço”, afirmou Dibov, reforçando que a matriz nuclear pode contribuir para o Brasil atingir metas de redução de emissões.
O mundo revisita a energia nuclear
Desde o desastre de Fukushima, em 2011, o setor nuclear vem passando por uma reavaliação global. Recentemente, o Banco Mundial suspendeu o veto que mantinha contra o financiamento de projetos nucleares, incluindo os pequenos reatores, que são vistos como alternativas mais seguras.
A proposta da Rosatom para o Brasil se encaixa nessa tendência mundial de buscar novas fontes limpas e alternativas para atender regiões remotas e superar gargalos energéticos.